Sol 03: Um pôr do sol qualquer
Textão de Luciene Carris*
De origem do latim solis, Sol é a estrela central do Sistema Solar. Outros corpos como planetas, asteroides, cometas, poeira e satélites giram ao seu redor. O Sol é responsável pela vida na Terra, mas argumenta-se que pode ser também o culpado pelo extermínio do planeta. Já foi adorado como divindade e hoje é alvo de muitos estudos científicos em todo mundo. Na mitologia nórdica pré-cristã, Sol é uma representação feminina. Máni, por outro lado, seria a Lua, uma representação masculina. Ambos eram irmãos, filhos de um gigante quando o universo foi criado. O povo nórdico acreditava que eles caminhavam por meio carruagens puxadas por cavalos e eram sempre perseguidos por lobos. Porém, existem outras derivações sobre essa narrativa espetacular.
Na mitologia grega Hélio é a representação divina do Sol, filho dos titãs Teia e Hipérion, irmão de Selene (a Lua) e Eos (a aurora). Ele percorria o céu todos os dias dentro de uma carruagem puxada por cavalos brancos para levar luz e calor aos homens. Já na mitologia romana, o Sol é representado por Apolo, que acumulava ainda outras funções, era o deus da música, da poesia, da adivinhação, bem considerado era o como o protetor das artes. Para a cultura indígena Tupi-Guarani, o Sol era a divindade responsável pela criação de todos os seres vivos. Acredita-se que o Sol surgiu há mais de 4.6 bilhões de anos. Para muitos cientistas, o Sol e o sistema solar surgiram a partir de uma nuvem de gás e de poeira que giravam em torno de si. Composto de hidrogênio e hélio, a estrela é a fonte de energia que domina o sistema solar. Mas narrativas sobre o Sol não se encerram por aqui. Depois desse curto passeio sobre as lendas mitológicas, fiquei imaginando como o carioca concebe a sua relação com o sol em tempos de quarentena.
Se disseminou por aí alguns folclores sobre os hábitos cariocas. Para alguns cariocas como eu, é inaceitável pensar o Rio de Janeiro sem um dia de sol. Aquele final de semana de praia, sol e futebol até pouco tempo era a rotina constante para muitos. Infelizmente a pandemia do Covid-19 interditou a possibilidade de pegar aquele solzinho em lugares públicos a fim de evitar aglomerações. Mas, o carioca não abre mão da praia, do sol e dos esportes ao ar livre em dias ensolarados.
Curiosamente, aliás, a própria ideia de inverno aqui difere de outros estados e quiçá de outros países. Entretanto, estamos acostumamos a certos exageros, uma vez que é bem comum encontrarmos em temperaturas de mais ou menos 24 graus pessoas bem equipadas de casacos e calças como se estivessem vivenciando a neve nos Alpes Suíços. Bom, não importa o nome que foi dado a estrela seja na mitologia grega, romana, nórdica ou tupi-guarani, o sol é algo do patrimônio natural carioca. Como diz a letra da música de Adriana Calcanhoto “cariocas não gostam de dias de nublados”.
Muitos argumentos utilizando o discurso médico como referência afirmam que a luz solar é uma fonte natural de vitamina D, sendo assim evitaria inúmeras doenças. Sem comprovação científica se disseminou a ideia de que o sol preveniria até o coronavírus. Recentemente, as praias da cidade foram tomadas no final de semana por cariocas afoitos com a possibilidade de aproveitar o sol, ignorando as restrições e as recomendações dos órgãos da saúde. Os jornais mostraram a circulação de pessoas nas areias, a prática de atividades físicas e a reunião de inúmeras famílias. O risco de contaminação ainda é real. Mas como conter a negligência de muitos cidadãos cariocas? Não seria por falta suficiente de informações, pois somos diariamente bombardeados por dados.
Talvez seja aquele jeitinho tradicional de lidar com as adversidades da vida cotidiana misturado com um pouquinho de egoísmo e de insensatez, com aquela dose de uma vontade alienante de burlar as leis. O certo é que o sol vai continuar no mesmo lugar de sempre mesmo em dias nublados e chuvosos, continuará sendo narrado e cantado por muitos, ainda que mantendo a distância equivalente à cerca de 150 milhões de quilômetros. Como vários conhecidos meus e outros nem tanto, eu sinto uma necessidade indescritível dos dias de sol na praia, de ver o azul do mar e de caminhar pela areia ou pelo calçadão, bem como de tomar uma água de coco e comer o famoso biscoito Globo. Algo que me faz recordar de uma das célebres composições do músico Djavan sobre o aprazível momento dizia “eu quero ver o pôr do sol lindo como ele só e gente pra ver e viajar no seu mar de raio”. Por ora, guardo as recordações daqueles dias de sol na Pedra do Arpoador. Para mim, era um momento singular de contemplação daquela admirável faixa de área banhada pelas águas do Oceano Atlântico e de reflexão sobre as coisas mais simples da vida como o sol, a brisa do mar e a brevidade da nossa existência na Terra.
Luciene Carris é historiadora e escritora.