Separações 03: Crônica da separação e do isolamento em tempos de corona
Textão de Luciene Carris*
Nunca tive problemas reais com a minha rotina. Nos últimos tempos, se restringia aos cuidados da casa pela parte da manhã, seguido ao tempo dedicado à pesquisa para o meu último trabalho e a estudar para algum eventual concurso. A vida caminhava tranquilamente, superando aqui e ali algum desafio ou problema de ordem da vida prática como todo mundo hoje em dia. Contudo, me deparei com a seguinte questão: a falta de contato pessoal, a separação familiar e dos amigos, que encontrava geralmente aos finais de semana em algum bar carioca. Por sinal, não podia faltar aquele chope tradicional naquele botequim peculiar. Ai que saudade daquele líquido gelado descendo pela garganta e do papo amigável sobre os eventos da última semana!
Para superar isso, semana passada decidimos realizar um encontro virtual. Em tempos de pandemia, novas formas de sociabilidade se apresentam. Aliás algo que vejo sendo corriqueiro para alguns conhecidos. A impossibilidade de ir às universidades e de participar de eventos foram substituídos pelas aulas virtuais e pelas “lives”, estas últimas têm se proliferado que nem dou conta de acompanhar. Vejo o meu filho tendo aulas do curso de economia pela internet. É lamentável! Nada substitui a relação professor e aluno em sala de aula pela frieza das aulas à distância, apesar da praticidade, sem dúvida. O garoto acabara de ingressar na graduação, um calouro que descobria a universidade e fazia novos amigos. A vida acadêmica e social ficou suspensa parcialmente e temporariamente.
Mas voltando, o “meeting” ocorreu tranquilamente, foram duas horas de muita prosa. Cada um em sua casa bebia e petiscava alguma coisa, uns cerveja, outros vinhos ou se deleitavam com um copo d’água. Um breve simulacro da realidade de outrora. Uma experiência vibrante em que cada um observava o outro em sua janelinha virtual. Acredito que pouco sanou a intensidade do contato ao vivo e a cumplicidade da troca de olhares que sempre houvera, mas era o que havia de disponível.
O distanciamento social tem produzido algumas reflexões e algumas descobertas sobre a vida de alguns conhecidos próximos. Em alguns momentos do dia, me deparo refletindo sobre aquela amiga que começou um namoro recentemente, mas que de repente veio o isolamento social e a separação obrigatória dos recém-namorados então apaixonados. Tudo bem que já existia a questão do distanciamento geográfico entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, a profissão de comissária de bordo já atrapalhava um pouquinho. Devaneei sobre a vida cotidiana daquela professora universitária aposentada que mora em seu apartamento sozinha, bem como do outro que vive há muitos anos a mesma condição, mas que costumava realizar a sua caminhada habitual, além de se alegrar nos encontros regulares com seus dois netinhos pequenos.
Nessa ordem, penso nos meus pais que moram sozinhos no Centro. Imagino a falta que devem sentir dos nossos encontros aos finais de semana, assim como eu sinto. Era um hábito contemplar a beleza da paisagem da Baía de Guanabara na mureta da Urca, depois do tradicional almoço dominical em família. Percebo como cada um de nós lida atualmente com o isolamento e a separação de forma diferenciada. Em alguns relatos, alguns têm apresentado algum transtorno de ordem física ou psíquica.
A situação tem sido tão impactante que uma pessoa conhecida veio a adoecer e parar no hospital com tantas dores pelo corpo, não era o tal vírus, felizmente. Outros mantêm uma rotina possível de trabalho no melhor estilo “home office”. Conheço alguns deles que continuam dando as suas aulas online, trabalham em seus computadores para as empresas privadas, participam de reuniões por telefone ou por alguma plataforma de videoconferência. A roda da vida parece que tem que seguir, vivemos numa sociedade em que o trabalho faz parte da nossa realidade e que precisamos sobreviver – duplamente – aos boletos do final de cada mês e ao tal do Covid-19.
* Mãe do Gabriel de 19 anos, historiadora, sonhadora, dona de casa e apaixonada pela história do Brasil e da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.