Política 01: Um caso de família
Textão de Luciene Carris*
Até pouco tempo atrás havia um ditado brasileiro popular muito comum, bem falado nas casas de família ou nas ruas a qualquer hora do dia. Dizia-se em tom de piada ou até como uma mera advertência em alguma conversa trivial para evitar possíveis conflitos entre os envolvidos: “política não se discute”. O certo é que o tal ultimato se estendia para os assuntos ligados ao futebol ou à religião. Mas vamos falar aqui em breves linhas sobre a política. Quando era criança no início da década de 1980, me recordo dos meus pais e de alguns tios evitarem comentários sobre determinados assuntos que eram noticiados pelos jornais televisivos.
Devido a minha pouca idade na época não entendia exatamente o motivo exato para aquilo acontecer, pois os jornais só comentavam sobre aquelas imagens que eu assistia espantada. Mas uma cena ficou marcada nas minhas lembranças. Uma famosa cantora estava presente no palco e em sua frente encontrava-se uma multidão. Ela cantava uma música, ao lado de outras figuras do cenário artístico e político majoritariamente masculino. Para mim, ela se destacava pelo seu largo sorriso e pela sua beleza. Ela se chamava Fafá de Belém, assim como outros artistas e diversos políticos, se envolveu nas manifestações pelas Diretas Já. Interpretou lindamente o Hino Nacional, bem como a composição de Milton Nascimento e Fernando Brant “Menestrel das Alagoas” em várias ocasiões. O movimento civil pelas eleições diretas é considerado como uma das maiores manifestações populares da história do Brasil. Aquela imagem ainda reverbera nas minhas recordações quando leio sobre esse período, assim como determinadas atitudes de alguns de meus familiares.
O tema escolhido para discorrer é “pandemia política”. Para tanto, fui até ao “pai dos burros”. De acordo com o dicionário, pandemia se refere a uma enfermidade generalizada. Já política é um substantivo feminino polissêmico, diz respeito “arte ou ciência de governar”; “arte de guiar ou influenciar o modo de governo pela organização de um partido, influência da opinião pública, aliciação de eleitores etc”, “cerimônia, cortesia, urbanidade” ou ainda como “habilidade no relacionar-se com os outros, tendo em vista a obtenção de resultados desejados”, entre outras definições. A palavra tem origem na palavra grega “politeia” e se refere a polis e a vida em coletividade. Para o filósofo grego Aristóteles, preceptor de Alexandre da Macedônia, a política seria a “ciência da felicidade humana”. Mas como falar de felicidade humana, pandemia e política em tempos de Covid-19?
Pouco paralelo podemos traçar hoje com aquele momento político singular do início da década de 1980, quando se defendia a redemocratização do país nas ruas. Mesmo com a abertura política ocorrida poucos anos depois, ainda é precário o entendimento sobre o papel da política e a importância da cidadania entre a maioria dos brasileiros. Hoje pela manhã como habitualmente acontece, peguei o meu smartphone e naveguei pelas redes sociais para me atualizar sobre os acontecimentos do dia.
Eis que me deparo com desavenças entre alguns familiares sobre política, naturalmente, em uma das redes sociais. Geralmente os debates inflamados carregam um pouco de ironia e raramente à má educação das palavras se viabiliza. O anonimato ali não existe evidentemente, pois todos se conhecem, porém, as frases de efeito e as piadas se sucedem sem fim. O problema não é a discussão, mas a qualidade dela.
A popularização de informações estatísticas e científicas sobre o desenvolvimento da doença e da sua possível cura tem promovido tensões constantes, isto ainda somado a atual conjuntura de insegurança política e institucional em que se encontra o país. Se antes existia uma ausência de debate sobre a política em família, agora as nossas vidas se centralizam em torno disso. Seja ao acordar ou ao dormir, durante esses últimos dois meses de quarentena, somos bombardeados pela incerteza do contexto e assaltados pela angústia, como tenho observado em vários conhecidos. Como podemos buscar a tal da felicidade humana em tempos de coronavírus? Além disso, como podemos preservar o amor, a amizade e o respeito?
Velhos amigos vão sempre se encontrar
Seja onde for, seja em qualquer lugar
O mundo é pequeno, o tempo é invenção
Que o amor desfaz na tua mão (…)
(“Velhos Amigos”, Oswaldo Montenegro)
*Luciene Carris é historiadora e escritora.