Os quinze minutos de fama

Os quinze minutos de fama

Os quinze minutos de fama

Textão de Luciene Carris

Certa vez, o artista norte-americano Andy Warhol vislumbrou um mundo onde todos seriam “mundialmente famosos por 15 minutos”. A frase a ele atribuída foi originalmente publicada em um catálogo de uma exposição que o artista participara, em 1968, no Moderna Museet de Estolcomo, na Suécia. Warhol ficou também reconhecido como um intelectual do movimento pop ao associar os seus talentos e os seus conhecimentos sobre a cultura de massa e os meios de comunicação. Tal ímpeto contribuiu para redefinição do movimento artístico nos anos 60. Afinal, quem nunca bateu o olho em uma de suas obras baseadas em astros de Hollywood como Marilyn Monroe ou em símbolos de consumo norte-americano como as garrafas de Coca-Cola e as latas de sopas Campbell? O certo é que podemos considerar que ele antecipou a tendência do mundo multimídia, que se estabeleceria décadas depois com a ampliação da internet ao redor do mundo.

Diariamente nos expomos e somos expostos. Somos comentaristas e opinadores potenciais sobre qualquer assunto nas redes sociais. São postagens, mensagens, áudios, vídeos e comentários divulgados no WhatsApp, no Youtube, Instagram, Facebook, entre outras tantas redes que surgem quase que diariamente. Subitamente somos confrontados como uma exposição massiva de informações verdadeiras e por uma onda de Fake News que parecem infindáveis. Por vezes, somos assombramos por um certo radicalismo, pelo extremismo ou pela falta do senso crítico dessa massa de indivíduos conectados e aparentemente anônimos, que se amparam no discurso da liberdade de expressão.

A pandemia de Covid-19 que nos levou a uma quarentena e ao isolamento social, pouco tempo depois do Carnaval carioca, potencializou o uso das redes sociais. Se por um lado, a internet possibilitou mantermos uma interação digital com amigos e familiares, bem como a manutenção de determinadas atividades como o home office ou a educação remota, por outro lado, gerou um excesso de informação e desinformação sobre o vírus e o descrédito na ciência originando uma controvérsia inimaginável entre cientistas, políticos e cidadãos. De todo modo, a nova era da sociabilidade digital se fortaleceu ainda mais nos últimos tempos, se tornou mais do que essencial, veio para ficar.

Ao longo da quarentena, muitos profissionais se reinventaram. É uma enxurrada diária de “Lives”, “webinários”, shows virtuais, workshops e cursos online para um público com gostos e interesses diversos. Apesar do relaxamento da quarentena decretado pela administração municipal em junho, tais práticas se tornaram uma tendência entre sujeitos, organizações e marcas, o que tem contribuído para uma nova forma do consumo de informações, de formas de lazer e de inúmeros produtos.

Ao que parece a pandemia afetou a economia. Não é à toa que o argumento oficial de estadistas e de empresários para o gradual fim da quarentena se pauta na aguardada recessão econômica e no aumento da pobreza. Parece que estamos diante de um confronto fantasioso entre o coronavírus e a crise financeira, o que levou a uma outra polêmica então disseminada nas redes sociais sobre o que devia prevalecer: a saúde ou a economia.

Apesar da controvérsia, o Covid-19 ainda é um inimigo invisível, se encontra por aí pelas ruas da cidade. Não há uma cura, nem uma vacina garantida. Contudo, em nome da retomada econômica as ruas da zona sul da cidade foram tomadas por muitos cariocas. Talvez não seja uma novidade, pois ao longo da quarentena recebemos notícias de outros bairros que não seguiram às recomendações sanitárias de isolamento social por razões diversas.

Mas as redes sociais foram tomadas por tais imagens que viralizaram e chocaram. Diversos bares do bairro do Leblon ficaram lotados, da mesma forma as praias foram reocupadas por uma multidão que circulava por ali despreocupada sem máscaras, ignorando o distanciamento social. Para muitos, tal comportamento foi considerado um deboche ou um desrespeito aos mais de 60 mil mortos vitimados pelo coronavírus e aos seus familiares. São tantos os vídeos disseminados nas redes sociais de pessoas andando pelas ruas xingando o vírus sem o menor senso crítico ou razão de ser ou até mesmo insultando fiscais da vigilância sanitária da prefeitura, que realizavam coerentemente o seu trabalho.

Ao fim e ao cabo, muitos se expuseram publicamente a um possível contágio e à transmissão do vírus, assim como também alcançaram ridícularmente, na conjuntura da atual pandemia, o tão sonhado quinze minutos de fama vislumbrado por Andy Warhol tempos atrás.

Luciene Carris é historiadora e escritora.

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