O cuidado de si em tempos sombrios
Textão Luciene Carris
Como pensar no cuidado com o corpo e com a beleza em tempos de pandemia de Covid-19? É bem verdade que a flexibilização do comércio no Rio de Janeiro já possibilita atualmente aquela ida ao salão de beleza ou à academia de ginástica, isto para os corajosos e para aqueles que não se enquadram no grupo de risco do coronavírus. Contudo, o vírus mortal e misterioso continua à espreita em cada esquina das ruas da cidade.
Por esta razão, muitos brasileiros continuam em suas casas mantendo o isolamento social o máximo que pode. O uso das máscaras esconde os nossos rostos, nos protege. Mais do que uma limitação é questão de segurança sanitária e pública. Diante disso, a criatividade rola solta e, por aí, nas ruas é possível observar máscaras de diversos estilos para todos os gostos sejam coloridas, com desenhos ou monocromáticas. Até algumas marcas famosas passaram a vender a preços exorbitantes máscaras de grife, o que parece não fazer muito sentido para os simples mortais.
Já ouvi de muitos amigos e conhecidos que só trocam mesmo o pijama do dia pelo da noite. A primeira vez que ouvi isso, achei no mínimo curioso e engraçado. Mas a verdade é que não há razão para o exibicionismo de outrora, não há eventos sociais para tal motivo. Então, roupas e sapatos, assim como outros apetrechos, estão temporariamente guardados nos armários, pois o que se busca é o essencial para viver diariamente e sobreviver em tempos sombrios. Em casa, talvez possamos lidar de outra maneira com a nossa autoimagem, pois se processa uma revisão dos padrões idealizados de beleza. Será mesmo?
Talvez para muitas mulheres isto possa parecer libertador. Não ter aquela obrigação de pintar as unhas ou ainda alisar os cabelos, ou pintá-los com intuito de apagar o grisalho natural. Sem aquela pressão para se depilar ou usar maquiagem. Afinal de contas, quem estará olhando? O certo é que já se identificou uma queda significativa no consumo de produtos cosméticos. Situação que permanecerá algum tempo na indústria da beleza no Brasil e no mundo. Para alguns especialistas, se buscará produtos ligados à higiene das mãos, especialmente. Então, por enquanto, cara lavada parece ser a nova tendência. Pelo menos, aparentemente.
É bem verdade que isto me levou a outras reflexões sobre o universo feminino. Já ouvi de algumas mulheres o quanto realmente se sentem mais relaxadas em relação a este tipo de “cobrança”, por outro lado, outras me confidenciaram uma certa frustração pela falta do salão de beleza, da academia e dos tratamentos estéticos. Mas de onde vem esse desejo? Por que a beleza é tão importante para as mulheres?
Bom, isto já foi e é alvo de muitos filósofos e estudiosos do tema. A associação de beleza e saúde não será facilmente desvinculada. A beleza feminina estaria pautada na eterna juventude e no cuidado de se enquadrar seu corpo em um determinado tipo padronizado. O paradigma ideal (não alcançado) levaria a uma confusão de sentimentos de frustração, de incapacidade ou até mesmo de impotência.
A cultura do consumo de massa parece perversa nessa tentativa de domesticação dos corpos, transformando-os numa mercadoria. Generalizando, assim, um tipo de beleza padrão como uma condição de encontro com a felicidade. Até então, ser diferente incomodava nessa sociedade do espetáculo, deveria ser escondido ou corrigido por procedimentos estéticos. Então, o que se vê atualmente com a flexibilização da quarentena e a abertura gradual do comércio é um retorno gradual do carioca às atividades físicas em ambientes públicos e nas academias, bem como a abertura dos salões de beleza que seguem protocolos determinados, apesar da pandemia continuar em crescimento no território nacional. Por ora, o cuidado de si pode parecer mascarado, mas o conceito de beleza na sociedade contemporânea muda constantemente. Temporariamente, a pandemia apontou para um novo olhar sobre o que é essencial.
Luciene Carris é historiadora e escritora.