Flores para Iemanjá

Flores para Iemanjá

Flores para Iemanjá

Qual morador do Rio de Janeiro nunca passou a passagem de ano novo na praia de Copacabana? Mas, a pandemia do Covid-19 alterou as festividades do final do ano no Rio de Janeiro. De acordo com a prefeitura o revéillon de 2021 será um pouco diferente devido ao cancelamento do modelo tradicional devido a esta nova realidade que surgiu nos últimos tempos. Novos formatos estão sendo pensados para o evento da virada sem a participação direta da população com intuito de evitar aglomerações e a transmissão do vírus.

Neste cenário, se conjectura um modelo virtual de interação transmitido pelas plataformas digitais e pela televisão. Assim, por enquanto, se cogita a manutenção da queima dos fogos, dos projetos de iluminação e de shows que sempre animaram o público que anualmente desfruta dessa comemoração na orla da praia. Porém, esse modelo não substitui o brilho das festas anteriores, que tornou o espetáculo mundialmente conhecido. E, assim, muito bem exploradas comercialmente e economicamente pelas empresas de turismo e pelas redes de hotéis. Não por acaso as festas se repetem em outras cidades do país, pois, era e é um negócio bem-sucedido e lucrativo.

É bem verdade que a festa da virada do ano novo, originalmente, tinha um caráter mais religioso. De acordo com o historiador Luiz Antonio Simas, a iniciativa de se confraternizar na praia partiu dos umbandistas, em especial, da figura do líder religioso e sambista Tancredo da Silva Pinto, conhecido como Tata Tancredo. Assim, não só umbandistas, mas também candomblecistas se reuniam em pequenos grupos, vestidos de branco para realizar seus rituais de celebração.

Ao que parece era uma festa diferente da atração turística que se transformou tempos depois. A orla era ocupada por velas e por terreiros que ia ganhando ares de ecumênico, pois passou a reunir indivíduos de credos diversos. Ateus, católicos, budistas, evangélicos, enfim, uma infinidade de pessoas participavam da festa e confraternizavam, harmoniosamente, a entrada de um novo ano.

Na década de 1980, o extinto hotel Le Méridien, na esquina da avenida Princesa Isabel, no Leme, iniciou uma cascata de fogos que descia pelos 39 andares do seu enorme arranha-céu. Na década seguinte, a festa da virada ganhou um novo esplendor. O evento se tornou mais imponente com a inauguração de palcos para shows com a participação de figuras conhecidas nacionais e estrangeiras. Neste sentido, o réveillon se consolidou com eventos de música e com a famosa queima de fogos que, originalmente, eram de 8 a 10 minutos, ampliada para até 20 minutos.

Por outro lado, se perdia aquele caráter mais religioso anterior. Aos poucos, os tambores foram substituídos pelas guitarras e pelas baterias das bandas. Porém, para os turistas passou a se vender até pacotes que incluíam o barquinho de Iemenjá. Assim, o lado espiritual e de celebração de renovação se transformou em um “grande businness”.

De origem francesa a palavra réveillon tem origem no verbo réveiller, que significa acordar ou reanimar. Com o tempo, o termo foi adotado pelos países ocidentais para simbolizar a celebração da virada de um ano para outro. Contudo, as comemorações da passagem não são uma novidade, datam de 4000 anos atrás, mas, estavam intimamente ligadas ao festejo por uma nova safra da plantação. Desse modo, a passagem era contada pelas estações do ano. Variando de local e de tradições, a virada de ano é celebrada em diferentes datas de acordo com as religiões e com o calendário adotado pelos povos.

Para uma parcela da população do Rio de Janeiro envolve ainda superstições como usar roupa branca e pular as sete ondas para Iemenjá à meia-noite, bem como presentear este orixá com diversas oferendas. Apesar da especularização da celebração, ainda é uma época marcada pelo simbolismo das promessas e pelos pedidos para um novo ano melhor que o anterior. Como momento de retrospectiva e de reflexão de planos pessoais anteriores, mexe com sentimentos variados. De todo modo, o final do ano era, até então, apreendido como uma fase de alegria para muitos, pelo anseio do novo e pela elaboração de novas metas para o ano seguinte. Mas, como é isso em meio à pandemia?

Estamos em agosto, são quase 100 mil mortos até esta data, além dos milhares de infectados. A falta de expectativa a curto prazo por uma vacina não oferece motivos para grandes comemorações. O que já observo ao meu redor é uma crise existencial afetando muitos conhecidos, o que me faz refletir sobre um outro tipo pandemia, por conta do distanciamento social e do isolamento somados à crise político-econômica que atravessamos. Bom, sobreviver fisicamente e mentalmente à pandemia de 2020 talvez seja um belo pretexto para celebrar em casa sem aglomeração e só.

Luciene Carris é historiadora e escritora.

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