Educação 02: E quem sabe?

Educação 02: E quem sabe?

Educação 02: E quem sabe?

Textão Luciene Carris*

É muito comum no meio popular a célebre frase “educação vem do berço”. Parei para refletir sobre o que isso significava e relembrei algumas das minhas experiências familiares. Quando pensamos nessa expressão geralmente associamos a um conjunto de princípios e de valores ensinados em casa como ética, respeito, amor ao próximo e educação informal no sentido mais amplo. Me refiro à educação aqui como a forma de viver e de se relacionar com nossos semelhantes. Algo próximo à pedagogia do exemplo, daquela frase “O bom exemplo constitui o melhor e mais eficaz sistema de educar os filhos” atribuída aos Textos Judaicos.

Sem dúvida ao longo da vida passamos por diversas experiências formais e informais que colaboram com a nossa visão sobre o mundo e, por sua vez, nos transformam. No primeiro momento, no ambiente familiar, em seguida no ambiente escolar e, por aí, seguimos o fluxo da vida até nós tornamos adultos, supostamente maduros, compreensivos, empáticos ou como bem queiram definir. Resumindo, depois dessas experiências, indivíduos que prezam pelos valores humanos, com algum senso crítico e que se arrepiam com qualquer tipo de brutalidade contra seu próximo. Por sua vez, não consigo dissociar tais princípios e valores dos conceitos de cidadania e de democracia.

Com a abertura política cristalizada com a Constituição Federal de 1988, determinados valores foram acionados no sentido de buscar a promoção do bem comum. Mas ser cidadão extrapola um sujeito provido de direitos e cumpridor de deveres. Aliás, cidadão é uma expressão que tem origem na Grécia Antiga. Vale recordar que estava restrito àqueles que moravam nas cidades, excetuando mulheres, escravos, crianças, velhos, comerciantes, artesãos e estrangeiros. Depois de muitas lutas, até revoluções, posteriormente, como pela independência norte-americana e a Revolução Francesa, o conceito se ampliou e se estendeu às mulheres, crianças, minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias.

Pelo menos textualmente está escrito na letra da Lei, pois encontramos ainda muitos entraves no nosso país e no mundo. Ademais não é demais relembrar que o Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito, o que significa “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Isso atualmente tem significativa relevância, pois está em recorrente discussão.

Mas por que misturar temas como educação e cidadania? Vamos lá. O caso é bem simples. Em uma determinada sexta-feira do mês de junho, de acordo com diversos meios de comunicação, um grupo de deputados estaduais do estado do Espírito Santo decidiu invadir um determinado hospital de campanha para filmar leitos de pacientes com Covid-19, o que colocou em risco pacientes e outras pessoas. Poderia ser uma história ficcional, mas ao que parece foi bem real. Poderia enumerar outros exemplos como as ofensivas aos ministros do Supremo Tribunal Federal e à instituição como um todo, que têm ocupado os noticiários dos jornais.

Ou ainda, o recente ataque a uma manifestação realizada na praia de Copacabana pelas vítimas do coronavírus. Logo após o acesso de fúria filmado e amplamente difundido, o pai de uma das vítimas pediu nada mais nada menos que compaixão e empatia aos atingidos pela doença. Diversas têm sido as notícias sobre outras investidas aos profissionais de saúde e até a recorrente incredulidade sobre o potencial da pandemia, como se constata com as diversas aglomerações nas ruas e o desrespeito em relação ao distanciamento social e a resistência ao uso de máscaras.

Ao fim e ao cabo, todos estes temas estão interligados, pois dizem respeito à nossa educação formal e não formal, ao nosso entendimento sobre a cidadania e sobre àqueles indivíduos que escolhemos como nossos representantes da nossa frágil democracia. Pois, como ressaltaram os professores de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como as democracias morrem, “autocratas eleitos mantêm um verniz de democracia enquanto corroem a sua essência”. Além disso, temas como educação, empatia, compaixão, alteridade e cidadania deveriam ser alvo de constantes reflexões e exercidas ao longo dessa pandemia (assim como depois), que até o dia hoje ceifou mais de 45.000 vidas de brasileiros e contaminou mais de 900.000 de acordo com os dados oficiais.

Aliás, determinados comportamentos e atitudes de muitos brasileiros deveriam ser inimagináveis, indesculpáveis e inaceitáveis. Talvez a pandemia reforçou uma representação autêntica de um lado ignorado do povo brasileiro, ou seja, nada cortês, indiferente e mesquinho, bem diferente daquele que era corriqueiramente exibido como simpático e acolhedor. Por ora, quem sabe as minhas reflexões estejam tão somente maculadas pelas consternações da conjuntura. Quem sabe?

Luciene Carris é historiadora e escritora.

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