Digital 01: Cérebro eletrônico

Digital 01: Cérebro eletrônico

Digital 01: Cérebro eletrônico

*Textão de Luciene Carris

Gabriel deslizou o dedo no seu smartphone e clicou em um de seus aplicativos de entrega de comida, mas entre tantas as opções disponíveis de pizzaria, optou, por fim, pelo restaurante habitual. Andréa se deu conta de que a despensa de sua casa estava já esvaziando, então, ela prontamente elaborou uma lista de compras e acessou um aplicativo de uma famosa rede de supermercado, que entregou os produtos algumas horas depois na porta de sua residência. Apesar da quarentena, a universidade particular em que Edmilson trabalha não suspendeu as atividades. Com nula experiência no uso da plataforma digital de conferências, ele consegue com a ajuda de seus filhos manter a rotina das aulas. Cláudia, por outro lado, já possuía alguma experiência para dar suas aulas de francês.

Na outra ponta, Luzimar assiste as aulas de um novo curso superior a distância que decidiu realizar e troca e-mails para esclarecer as dúvidas com seus professores. É a tal do EAD, a educação a distância, que se populariza cada vez mais. André descobriu recentemente como postar artigos em um blog, assim como mantém uma rotina de aulas numa conhecida rede social de vídeos e fotos. Fábio se diverte com os vídeos que recebe de seus amigos no celular e aproveita o tempo para criar novas coreografias, parte de seu trabalho como coreógrafo já se encontra disponível pela internet. Denise acabou de adquirir um exemplar de um novo livro digital que foi rapidamente baixado para o seu tablet. Por sua vez, Leila confere quais peças teatrais foram disponibilizadas numa plataforma de vídeos.

Interessada em se aprimorar no curso de gastronomia, Beatriz realiza pesquisas na mesma plataforma e se aprimora nas receitas fit veganas e vegetarianas. Antônio se diverte dedilhando no seu violão sambas conhecidos e revelando as suas histórias para um público assíduo na sua página pessoal de uma rede social. Já Rosania continua assistindo pontualmente as cerimônias religiosas de sua igreja. Sônia prefere assistir filmes e seriados românticos via streaming, uma tecnologia de transmissão de conteúdo online. Mas, Luís prefere mesmo o gênero de ficção. Deitada em seu sofá, Alessandra navega pelas páginas de vários museus do mundo e verifica extasiada as suas exposições e os seus acervos. João examina abismado o extrato de sua conta corrente rapidamente baixado de seu aplicativo do seu banco. Aline envia diariamente fotos e vídeos de seus dois filhos pequenos através de seu celular para o seu pai que mora em outra estado. Henrique é médico já atende via internet, assim como Juliana que é psicóloga.

Paulo realiza diariamente reuniões via computador com a equipe da empresa em que trabalha, assim como Camilla que acompanha o andamento dos processos legais de seus clientes. É o tal do home office ou o escritório em casa, falando no bom português, que cada vez mais se expande no nosso mundo contemporâneo. Poderia continuar enumerando outros casos de muitos dos meus conhecidos, mas a verdade é que a internet veio para ficar e modificar os nossos hábitos tanto para bem ou para o mal.

O certo é que estamos atravessando uma pandemia global e cada vez mais utilizamos a tal da internet para nos informar, passar o tempo, consumir produtos e trabalhar. A quarentena nos impede de sairmos das nossas casas e o contato com o mundo lá fora não se restringe à televisão, ao rádio ou ao telefone como antigamente. A internet é a maior rede de computadores do mundo. No Brasil, essa tecnologia surgiu no Brasil na década de 1990. Mas, ela foi criada no auge da Guerra Fria, quando ocorria uma acentuada polarização ideológica e disputa pela hegemonia no mundo entre a duas grandes potências mundiais da época, os Estados Unidos e a antiga União Soviética. Com intuito de uma troca rápida de informações com objetivos militares, passou a ser utilizada pela comunidade acadêmica internacional nos anos de 1970. Com o passar dos anos, foi pouco a pouco se desenvolvendo até chegar ao que conhecemos no ano de 2020.

Enquanto que na imprensa se discute as medidas preventivas para combater o Covid-19, a economia não para. Apesar da desaceleração momentânea do consumo como até então conhecíamos, as empresas têm pensado e criado novas estratégias para vender produtos e serviços. Podemos vislumbrar uma nova divisão social do trabalho, bem como novas formas de sociabilidades, de consumo e o surgimento de novas profissões ou a extinção de tantas outras. Além disso, acentua-se a exclusão daqueles que não têm acesso algum aos meios digitais, uma faceta excludente já conhecida desse sistema. Não é uma novidade. O certo é que a pandemia deixou o mundo ainda mais digital e para sobrevivermos, ao que parece, vamos ter que nos adaptar a essa nova conjuntura que se revela. A tecnologia parece onipotente, será? Por ora, acredito que ainda se configura incapaz de interferir nas nossas emoções, nas questões mais banais das relações humanas. Afinal, o Homem ainda é primordial como bem salientou Gilberto Gil na composição “Cérebro eletrônico”:

O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo

O cérebro eletrônico comanda
Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas ele não anda

Só eu posso pensar
Se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar
Quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões
De carne e osso
Eu falo e ouço.

Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo
Sou muito vivo e sei

Que a morte é nosso impulso primitivo e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro e seus
Olhos de vidro”

*Luciene Carris é historiadora e escritora.

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