Dever de Casa

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De acordo com os dados oficiais, a cidade do Rio de Janeiro contabilizou 194.651 casos de contaminação de Covid-19. O número total de óbitos é de 14.566. Apesar dos números alarmantes, o prefeito da cidade voltou a defender o retorno das aulas nas escolas particulares e públicas. Em meio aos interesses econômicos das escolas particulares, o prefeito que também é bispo evangélico, pautado no discurso religioso, afirmou que continuou trabalhando ao longo da pandemia, muito bem salvo do vírus misterioso, então o porquê de professores ou merendeiras não retornarem ao trabalho?

Para alguém como eu que estudou a vida inteira em escolas públicas reconhece muito bem as dificuldades do retorno presencial. Pois, na verdade, mudou quase nada. Naquela época, inexistia papel higiênico nos banheiros, por exemplo. As turmas já eram lotadas. Então, como manter o distanciamento social dos alunos numa sala de aula com mais de 30 ou 40 alunos. Como evitar que as crianças entrem em contato umas com as outras? Constata-se o óbvio, não há condições mínimas para uma reabertura saudável e segura.

Em meio à polêmica, não foi instituída uma diretriz ou um protocolo de retorno, além disso, os professores se sentem ignorados na decisão tomada. É bem verdade que muitas das escolas e creches se encontram em áreas em que a quarentena ou isolamento social foi negligenciado pela população. O medo é de que o retorno se transforme numa grande tragédia.

Além disso, se reforça o negacionismo da mortalidade da pandemia. Curiosamente, se argumenta que o carioca aprendeu a conviver com o vírus e que o Covid-19 nunca sumirá de fato, mas o medo sim. De acordo com o vídeo amplamente divulgado pelo Sindicato dos Estabelecimentos do Ensino do Rio de Janeiro, aprendemos a lidar, a nos proteger, respeitar as regras e os protocolos. Será mesmo? Será que as crianças têm ideia disso? Pois, o que vemos por aí nas ruas da cidade é o contrário. Muitos cidadãos (adultos) andando sem máscaras, além disso, diversas são as notícias de aglomerações nas ruas. Será que o cenário para o retorno das escolas particulares será assim tão diverso das escolas públicas?

Nunca imaginei que o retorno às aulas pudesse ter esse tipo de peso. Para mim, o início das aulas era a possibilidade de encontrar antigos amigos e fazer outros tantos, de aprender coisas novas, de vivenciar novas experiências sem essa preocupação com a segurança sanitária. Mas, em tempos de pandemia, o retorno às aulas se transformou numa disputa política insensata que ignora em última instância a segurança do aluno. Uma das questões apontadas é o impacto econômico das mensalidades nas escolas particulares, além da transferência dos alunos das redes privadas para as escolas públicas em razão da crise econômica.

No exterior, o retorno se pautou em um protocolo rígido que envolveu a desinfecção de escolas, a criação de tendas de desinfecção dos alunos na entrada, o controle de temperatura nas entradas, o uso de máscaras, a lavagem de mãos e a instalação de torneiras, o surgimento de grupos menores de alunos, a determinação do distanciamento nas salas, a criação de horários diferentes de entrada e saída, bem como arejar a sala e afastar professores do grupo de risco.

Será que as escolas da cidade do Rio de Janeiro estão, assim, tão preparadas para esse retorno? O baque econômico é real com a queda da arrecadação dos impostos. A verdade é que a crise está aí. Muitos alunos não retornarão às escolas, pois terão que ajudar financeiramente as suas famílias. Não é uma novidade. A educação é a base para a transformação de qualquer sociedade. Mas, enquanto for encarada como gasto, não como investimento, pouco ou quase nada o país prosperará. Enquanto isto, a disputa política continua.

Luciene Carris é historiadora e escritora.

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