Contato físico 02: A importância de um abraço

Contato físico 02: A importância de um abraço

Contato físico 02: A importância de um abraço

Textão de Luciene Carris*

Em 22 de maio comemora-se o dia internacional do abraço. A data foi criada a partir de uma campanha de um cidadão australiano em 2004 chamada de Free Hugs Campaign (Campanha de abraços grátis). O sujeito decidiu distribuir gentilmente abraços aos transeuntes em uma das ruas da cidade de Sidney, na Austrália, pois ele acreditava que esse ato deixava as pessoas mais felizes. O certo é que seu ato viralizou quando a banda australiana Sick Puppies utilizou as imagens em um de seus videoclipes, daí a comemoração dessa data.

Desde que a pandemia alcançou países de continentes diversos, sejam ricos ou pobres, temos sido torpedeados nas mídias por notícias sobre o impacto do isolamento social no nosso cotidiano e de estratégias criadas para manutenção de antigos vínculos de amizade e familiares. O autoisolamento tem variado de país para país de acordo com critérios determinados pelos governos. Mas, sejamos francos somos brasileiros e é muito difícil para a maioria de nós a ausência de toques e de um abraço nas nossas relações, o que geralmente sempre causou um certo estranhamento para algum estrangeiro não acostumado com hábitos assim tão corriqueiros. Por outro lado, por exemplo, para um cidadão japonês é perfeitamente aceitável a ausência de abraços e de beijos em encontros sociais. A forma mais comum de cumprimentar é curvar-se na forma de um arco em sinal de respeito, de gratidão e de perdão.

Segundo o célebre estudioso da cultura brasileira Câmara Cascudo, em História dos nossos gestos, os indígenas brasileiros não se beijavam nem se abraçavam. Segundo ele, “o abraço é índice de estágios elevados da civilização, existência de cerimonial, imagem patrimonial de atos de conteúdo simbólico, ultrapassando a extensão visível do movimento. Os que se abraçam estão sem armas recíprocas.” Ao historiar esses costumes na época do Rei Salomão observou que o abraço masculino se dava pelos ombros e o feminino se dava pela cintura. Porém, nas suas palavras, o abraço era masculino para que todos vissem, enquanto o beijo era feminino para que poucos sentissem.

O dramaturgo e escritor Mário Prata foi além. Para ele, aquele abraço apertado daquele tipo de grudar todo o corpo com tapinhas nas costas, tal como conhecemos hoje, teria sua origem na Itália, pois era uma forma dos mafiosos italianos se prevenirem de um possível ataque de um inimigo armado. Será mesmo? Não vou me estender aqui na história do abraço, que é outro costume que tem uma longa origem na história. Em relação ao beijo, este é considerado o maior ato de intimidade e de afeto entre as pessoas de acordo com a autora do livro A História Íntima do Beijo, Julie Enfield. De acordo com outros estudiosos como o Sigmund Freud, o pai da psicanálise, o beijo teria a sua origem na relação da amamentação entre a mãe e o bebê. Para antropólogos, a sua origem estaria na alimentação entre mãe e filho, a prática de uma pre-mastigação para alimentar uma criança pequena. Seja como for, esse breve retrospecto serve apenas para reforçar que a prática do beijo e do abraço são tão antigas e imemoriais na história da humanidade.

Abraço, de acordo com o dicionário Aurélio, significa ligação, fusão, união, demonstração de amizade, de acolhimento e é uma forma universal de contato, físico e afetivo. Como lidar com essa falta de contato tão básico e necessário em tempos de coronavírus? Em determinados momentos do dia do meu isolamento me indago se essa pandemia mudará a forma de nos relacionarmos com o outro. Se nos tornaremos mais distantes ou mais próximos, talvez mais empáticos ou não, mas por enquanto é pura especulação. A única coisa que posso ter certeza é que a ausência de contato físico tem trazido dores e tristeza que são temporariamente sanadas por alguns artifícios que permitem ouvir a voz e ver imagens de nossos entes queridos, mas isto realmente não é o suficiente.

São vários os relatos publicados em jornais de famílias separadas por ocasião do vírus e como isso tem afetado as vidas dessas pessoas. Próximo a mim observo amigos que estão totalmente isolados de seus filhos e netos. Não é o meu caso pois o meu filho está sempre presente, mas procuro me colocar no lugar deles, a tal da empatia tão necessária, e sinto como essa ausência é dolorosa e difícil. Por outro lado, contraditoriamente, o distanciamento tem fortalecido vínculos de amizade e familiares. No final das contas, sabemos que abraços e beijos virtuais não substituem a cumplicidade do toque e o calor do corpo humano, mas é o que temos, pelo menos, temporariamente. Dito tudo isso, acredito que essa experiência revolucionará as relações humanas e a nossa forma de lidar com o mundo, com o que é importante, realmente relevante, daquilo que é descartável e superficial.

* Luciene Carris é historiadora e escritora.

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