Aulas 01: Uma realidade indesejada
Textão de Luciene Carris*
Não me recordo de ter constatado no Rio de Janeiro uma volta às aulas presenciais tão polêmica. A pandemia do Covid-19 ainda persiste nas nossas vidas. Ao que parece, perdurará por um bom tempo no nosso cotidiano por variadas razões. O isolamento social e a quarentena não foram tão bem absorvidos por uma parte da população e pelos poderes públicos, estes últimos é que deveriam ter dado o exemplo para o resto da sociedade. Provavelmente o uso das máscaras fará parte do nosso vestuário diário por um longo período. Em meio à controvérsia entre os governantes, especialistas e os profissionais da educação encontram-se os alunos das mais diversas idades, muitos de origem humilde.
Discute-se a falta de planejamento e a ausência de um protocolo adequado. Sem um tratamento consistente e sem a cura desse inimigo invisível, desse modo, as escolas e as universidades, as salas de aulas se tornam espaços favoráveis para a disseminação do coronavírus. Será que os espaços educacionais estarão preparados para receber os alunos? Além disso, me indago também se pais com algum grau de discernimento colocariam seus filhos em um possível risco? Talvez por necessidade certamente. Com discernimento ou não, o certo é que antes da pandemia os números de crianças e jovens fora da escola já eram alarmantes de acordo com o último Censo Escolar de 2018, que registrou a queda do número de matrículas na Educação Básica. Talvez o abandono escolar se agrave com a necessidade dos jovens contribuírem para a sobrevivência financeira de suas famílias, antecipando ainda mais a sua ida ao mercado de trabalho.
Além disso, a pandemia escancarou a desigualdade socioeconômica em que os estudantes brasileiros se encontram atualmente, algo que tende a se agravar numa recessão previamente cogitada por diversos economistas. Há de se destacar também que a queda expressiva da renda das famílias até para os segmentos médios, tanto que as mensalidades escolares das escolas particulares se transformaram num campo batalha entre pais e escolas. Ao longo dos últimos meses que vivenciamos a pandemia se privilegiou o ensino remoto, mas isto ainda é algo restrito.
Muitos domicílios no território brasileiro não possuem computadores e acesso à internet ou ao telefone, que possam garantir o suporte necessário. Sem falar que muitos professores não têm condições materiais e a capacitação necessária para conduzir as aulas remotas. Não há como instrumentalizar a educação a distância sem adoção de ferramentais digitais. Muitos professores se encontram atualmente mais sobrecarregados com as atividades escolares. Será que o retorno aumentará a estatística de professores afastados em decorrência de transtornos mentais como estresse, ansiedade e depressão, por exemplo? O cenário parece desolador e sombrio.
Certamente o medo do contágio e o trauma das perdas humanas afetarão a saúde mental e física das pessoas. Até pouco tempo ouvíamos falar de alguém bem distante de nossa realidade que contraiu o vírus, mas nos últimos tempos conhecidos próximos, familiares e vizinhos têm sido vítimas dessa moléstia. O planejamento do retorno escolar deveria envolver alguma política pública que contasse com a participação de profissionais da educação e da saúde, como psicólogos e psiquiatras. Pois, algo a se pensar é como estarão fisicamente e mentalmente os alunos, as famílias e profissionais da educação nessa possível volta às aulas nesta realidade totalmente diversa, indesejada e inadequada.
Luciene Carris é historiadora e escritora.