O ano de 2020 está chegando ao final, um momento atípico por conta da pandemia do Covid-19, que acirrou várias questões não-resolvidas na história da nossa sociedade, além de contabilizarmos 180 mil mortes, sem falar dos milhares de infectados. A vida segue no Rio de Janeiro, que para mim perdeu um pouco do seu encanto original. Além da doença, o aumento do desemprego e uma grave crise econômica, o uso das máscaras que nos protege, também nos afasta e com razão, pois impera a necessidade da proteção.
Tem sido um ano de muitas reflexões e de mudanças na forma de lidar com a vida e com o cotidiano. Acredito que ninguém passou ileso dessa experiência até o momento, nos afeta e continuará nos afetando por um longo período. É notório que a nossa dependência com a internet sobressaiu no último ano para o bem ou para o mal.
Uma das possibilidades indiscutíveis é o acesso à informação, no meu caso, o aumento de livros comprados, em especial e-books. Não sei quanto a você, mas perdi o número de livros, artigos, textos lidos… Recentemente li a obra de Americanah da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Já tinha ouvido muito falar da repercussão de sua obra até assisti-la no Ted Talk, para quem não conhece se trata de um programa interessante de disseminação de ideias através de conferências com muitas personalidades, facilmente encontrado no Youtube.
Até que em um determinado clube de leitura, tive a oportunidade de ler pela primeira vez e discutir em grupo um de seus contos da obra No seu pescoço. Aliás, trata-se do Clube do Conto do querido professor Marcus Alvito. Acabei lendo o livro todo, porém, um texto, em especial, me chamou a atenção: “A historiadora obstinada”. De repente, me veio em mente um livro de memórias do intelectual Edward Said, conhecido pelas suas obras Orientalismo e Cultura e Imperialismo. Às vezes acontece esse tipo de situação, aparecem umas conexões entre as leituras nada aparentes. Mas o livro Fora do lugar me arrebatou quando eu li. O fato é que comecei a refletir sobre a minha ancestralidade, eis que me deparo com a minha própria história.
Americanah, de Chimamanda Nogzi, que dá nome ao livro, é um adjetivo utilizado pelos nigerianos para aqueles que saem do seu país e retornam com costumes e trejeitos norte-americanos. Por sua vez, Said, apresentou ao longo do seu texto autobiográfico um sentimento de exílio e de solidão, que permeia a sua obra. É um sujeito nascido em Jerusalém, um região disputadíssima no Oriente, filho de pais árabes católicos, ele se formou no Egito, depois foi para Harvard nos Estados Unidos. Em algumas ocasiões é chamado de Edward, em outras de Said, que por si só já gera um conflito interno. As duas obras trazem reflexões pertinentes. A primeira é uma ficção bem elaborada e fluida em sua narrativa, a segunda, não menos relevante, também bem construída, mas ambas me remeteram a esse sentimento de se relacionar com o outro, com o diferente, com culturas diversas e de aprender a se posicionar em tais lugares dispares, porventura ingratos.
Como sabemos o Brasil é um país continental com diversas regiões, o que nos possibilita em falar de “brasis”, tomando como ponto de partida o pensamento original do antropólogo Darcy Ribeiro. Então, me deparei com um sentimento mal resolvido de ser uma nordestina meio carioca na zona sul. Pois, quando me defronto com as minhas raízes familiares, estão lá presentes alguns costumes e uma forma bem peculiar de encarar os desafios da vida. Talvez esteja me glorificando neste pequeno ensaio de ego-história, mas reafirmo que ninguém sairá intacto de 2020.
2 Comentários
O texto de hoje está bastante reflexivo. Obrigada por nos brindar com seus pensamentos.
- Autor
Muito obrigada querida!!