Mulheres e a esfera pública: um caso de política
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A Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional é um portal de periódicos cada vez mais disseminado. Lá, podemos encontrar revistas e jornais raros e antigos, uma ferramenta cada mais vez mais utilizada por muitos pesquisadores. Além de facilitar a pesquisa, contribui para a preservação do acervo documental. No meu caso, utilizei a plataforma para pesquisar notícias em algumas ocasiões, mas me perdia nas páginas dos jornais e revistas, pois era realmente muito interessante ler sobre os acontecimentos de outrora. Ainda é divertido examinar as propagandas antigas e compreender um pouco das demandas da sociedade. Quando desenvolvi as pesquisas para o mestrado e o doutorado não havia ainda esse facilitador. O jeito era recorrer aos microfilmes. Aliás, sempre tive uma dificuldade particular de inserir o rolo do microfilme de maneira correta, agradeço à gentileza dos pesquisadores vizinhos e dos bibliotecários de plantão neste auxílio.
Quando pesquisei sobre o impacto da Revolução Russa nas revistas ilustradas entre 1917 e 1930, me chamou atenção a representação sobre o papel das mulheres na sociedade russa e como o discurso foi se alterando ao longo do processo revolucionário, e qual o impacto disso tudo na sociedade brasileira. Algumas personalidades sobressaíram nos periódicos como Lênin, Trotsky, Stalin, Kerensky, entre outras figuras masculinas, que eram representados através de ilustrações reproduzidas em tais revistas.
Contudo, naquele momento, as mulheres constituíam o principal público-alvo desses impressos pesquisados que focavam o universo da moda e contribuíam para moldar o ideal do comportamento feminino desejado. Uma dessas mulheres russas que ganharam certo destaque foi Catherine Breshkovsky, considerada a avó da revolução, anistiada logo após a revolução de fevereiro. Não por acaso fotografias e charges ganharam bastante espaço nas páginas. De origem aristocrática, nascida em 1844, Catherine ainda jovem se envolveu no movimento Narodnik, composto em sua maioria por jovens estudantes e intelectuais que preconizavam disseminar as ideias socialistas no campo. O seu envolvimento levou à prisão e ao exílio, em 1878, na Sibéria. Chegou a ser libertada em 1901, mas novamente presa em 1905. Em 1917, se envolveu no governo provisório de Kerensky. Porém, com os novos rumos dados ao processo com os bolcheviques, viu-se presa, fugiu e se tornou uma fervorosa adversária. Em 1919, excursionou nos Estados Unidos, no Japão e na França concedendo entrevistas sobre a situação política da Rússia revolucionária; posteriormente, ela veio a se estabelecer na Tchecoslováquia.
O certo é que o seu envolvimento na política e em atos extremos, bem como o confinamento no cárcere, tiveram grande repercussão, pois era considerado um desvio de regra. Em 1917, no Brasil, as mulheres ainda não possuíam o direito ao voto, só conquistado em 1934, mal-vista era o envolvimento feminino na política, salvo algumas exceções como Bertha Lutz, que, em 1918, criou a Liga da Emancipação da Mulher e, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso da Mulher, que alcançou maior visibilidade nas primeiras décadas do século XX.
A conquista dos direitos sociais, políticos e jurídicos das mulheres no Brasil constituiu um processo longo marcado pela opressão e pelo preconceito. As Ciências, a Igreja Católica e o Direito contribuíram para a formação de um discurso essencialmente masculino sobre a condição feminina, que intensificou as diferenças de gênero e o mito da superioridade masculina. Depois de intensa mobilização e disputas, em 1932, o novo código eleitoral garantia o voto secreto e o voto feminino, e tais princípios foram incorporados à Constituição de 1934. Desse modo, em 1932, ocorreu a eleição da primeira mulher deputada, a médica Carlota Pereira de Queiroz, que atuou em prol da assistência social e da alfabetização, até a implantação do Estado Novo (1937-1945), quando o Congresso Nacional foi dissolvido.
Atualmente, ainda é observada a baixa representatividade na política. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, ao longo dos últimos 90 anos, a mulheres ocuparam 266 cadeiras na Câmara de Deputados, apesar de serem a maioria da população e do eleitorado são a minoria no executivo e no legislativo. Entre as 191 nações citadas pela ONU, o Brasil ocupa a 142ª. posição, praticamente, o fim da fila. Embora se notem algumas iniciativas como a controversa cota mínima de candidaturas e o fundo partidário, que objetivam uma disputa mais equilibrada nas eleições, ainda é um longo caminho para uma sociedade brasileira mais justa e igualitária, um ideal a ser alcançado, bom isto dependendo dos rumos políticos tomados em 2022, pois a ausência poderá se tornar cada vez mais marcante, ou não.
Referências:
MAIA, Andrea Casa Nova (org.), CARDOSO, Luciene Carris; SANTOS, Vicente S. M. dos. Russos em revista: a revolução russa nas revistas ilustradas brasileiras. Rio de Janeiro: Gramma, 2018.
Ações do TSE incentivam maior participação feminina na política, Comunicação, julho 2021. Disponível em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Julho/acoes-do-tse-incentivam-maior-participacao-feminina-na-politica Acesso em: 31 out. 2021.
*O texto foi originalmente publicado no blog: