O primeiro livro: uma história de uma trajetória

No dia 09 de maio de 2014, lancei o meu primeiro livro na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro. Nunca imaginei que eu, uma filha de porteiro nordestino, que possui uma origem muito simples, pudesse ter a oportunidade de escrever e tampouco de ter um evento assim tão significativo.

Vale a pena recordar que ingressei em 1995 no curso de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A entrada em uma universidade pública localizada no Maracanã abriu a minha vida para muitas oportunidades, que abracei. Devo ao ensino público e gratuito, desde jardim infância ao doutorado, o que tenho hoje, ou melhor, o que eu sou hoje.

Além disso, tive a oportunidade de ter bolsas de fomento, a primeira foi a de extensão na universidade. No primeiro momento, eu trabalhei em alguns departamentos realizando trabalhos administrativos. Logo em seguida, ingressei na pesquisa na modalidade de iniciação científica. A bolsa de fomento foi de suma importância na minha trajetória. Depois do doutorado, tive uma breve passagem pelo Laboratório de Geografia Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas na Universidade de São Paulo, anos depois pelo Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro nos estágios de pós-doutoramento. Assim, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, passei pela USP e pela PUC-Rio. Algo que nunca tinha vislumbrado acontecer quando era mais jovem. Em tais espaços, tive a sorte de encontrar professores, que se tornaram uma referência para mim e colegas que se tornaram amigos íntimos e parceiros de muitos trabalhos.

A oportunidade de publicar esse livro surgiu de um contato com um professor que coordenava uma das seções da editora. Um convite generoso e surpreendente me levou para a Universidade de São Paulo, onde realizei o pós-doutorado. Esse professor se tornou meu supervisor, se tratava de nada menos do que o saudoso professor Antonio Carlos Robert Moraes, que faleceu em 2015. Guardo gratas recordações de suas aulas nos cursos de graduação e de pós-graduação, além das nossas conversas e das pessoas que conheci. Ele é uma referência até hoje para a História do Pensamento Geográfico e da Geografia no Brasil. Sempre observei a sua relação com os alunos, sempre paciente e atencioso. Os encontros semanais do grupo de pesquisa eram outros eventos de grande aprendizado para mim, era um grupo de geógrafos e historiadores interessados em estudar a Geografia Política.

Voltando ao livro. A obra em questão é um desdobramento da minha dissertação e tese de doutorado desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História Política da Universidade do Rio de Janeiro. Sob a orientação da querida professora Lúcia Maria Paschoal Guimarães que muito marcou a minha trajetória acadêmica, realizei uma pesquisa sobre a história institucional dessa associação criada em 1883, no final do regime imperial, até 1945, quando o presidente Getúlio Vargas deixa o governo brasileiro. Compreender a importância da disciplina Geografia para o Estado, bem como examinar as figuras que circulavam pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, depois renomeada para Sociedade Brasileira de Geografia, bem como a importância da instituição para o país, era o meu real interesse. Em outra oportunidade, falarei um pouco mais sobre essa entidade de que me ocupei durante um bom tempo da minha trajetória.

Deixando de lado a apresentação formal e costumeira do livro, preciso registrar aqui mais algumas coisas. A oportunidade inigualável que eu tive de passar por essas instituições no Rio de Janeiro e em São Paulo, consagrada com a publicação do meu primeiro livro, contribuíam sem dúvida na minha formação intelectual e pessoal. Mas, muito mais do que isso, significou uma vitória para mim, alguém que esteve durante muito tempo na periferia da sociedade, cujas oportunidades pareciam inacessíveis na infância e na adolescência.

A entrada no ensino superior significou um marco, corresponde a um período de crescimento e de amadurecimento como mulher, como mãe e como profissional. Fazer esse pequeno exercício de olhar para trás, de ego-história como historiadores costumam se referir, parece um pouco delicado ou constrangedor. Mas é importante valorizarmos o nosso passado, a nossa origem e as oportunidades que a vida nos oferece, precisamos estar atentos a isso e fazer disso uma história melhor para as futuras gerações.

Neste momento, quero celebrar essa data simbólica para mim e evidenciar que qualquer deve ter o direito de estudar, sendo filho ou filha de porteiro ou de qualquer outra profissão, que, por algum preconceito, seja considerada menor na nossa sociedade. Aliás, aparentemente, tão acostumada com a manutenção de determinados padrões e essencialmente preocupada com a mobilidade social.

E veio a pandemia da Covid-19… Com ela, procurei me reinventar enquanto profissional em outros espaços trazendo essa bagagem de vida. Surgiram novos aprendizados e novos desafios. Comecei a escrever em outros espaços como um blog, idealizei com uma amiga um podcast, publiquei trabalhos, produzi com outra amiga um documentário sobre o impacto da pandemia na vida de onze mulheres buscando dialogar com a História Pública. Acredito que as dificuldades não podem atrapalhar os nossos objetivos e sonhos, pelo menos permanentemente. As dificuldades não me impediram e, tão pouco atrapalharam os meus objetivos e sonhos, apesar de alguns projetos terem sido transformados ou modificados. Contudo, me fortaleci e construí um novo caminhar.

Figura: Convite para o lançamento do livro