A arte é um caminho para a vida
Com uma extensão territorial de 8.514.867 km2, o Brasil é considerado o quinto maior em tamanho no planeta e possui uma população estimada em cerca de mais de 210 milhões de pessoas. Aparentemente são dados pontuais, mas podem nos ajudar a compreender a diversidade cultural do seu povo. Não podemos esquecer de mencionar a riqueza dos biomas que abriga diferentes tipos de vegetação e da fauna, além da riqueza de seu ecossistema marinho. Mas qual o motivo de levantar tantos elementos? A razão é bem simples. Vamos levantar o estado do espírito do brasileiro e da brasileira que anda em baixa em tempos de Covid-19. Vale a pena ainda lembrar que somos um país considerado jovem perante as outras nações. Completamos, oficialmente, 520 anos desde Pedro Álvares Cabral aportar com sua esquadra neste outro lado do Oceano Atlântico.Passaram-se séculos, a música faz parte da nossa história, do nosso cotidiano. É uma fusão de elementos africanos, europeus e indígenas que enriquece a cultura brasileira. São tantos os gêneros musicais e movimentos artísticos criados como lundu, samba, frevo, xaxado, maracatu, baião, forró, bossa nova, tropicalismo, jovem guarda, música romântica, rock brasileiro, música sertaneja, música eletrônica, música religiosa católica ou gospel, hip-hop e funk, entre outros. Além da música tradicional folclórica como a congada e tantas outras que se inserem no universo infantil com as cantigas de roda transmitidas através da oralidade. Neste universo musical, não podemos esquecer da música produzida pelas sociedades indígenas. Aliás, muitos de nós brasileiros pouco conhece sobre a história e a cultura dos povos originários do Brasil. Mas é uma reflexão para um outro texto, quem sabe?
Apesar da nossa riqueza cultural, o financiamento sempre foi um problema basilar para o artista brasileiro. Pelo menos para aquele artista considerado menor ou pouco conhecido, que não possui uma gravadora grande, patrocínio ou agente. Pouco a pouco, os investimentos públicos na área da cultura foram sendo minados. Não é algo recente. Assim, tal como a educação, as esferas governamentais tratam dessa seara como gasto e não como investimento. A extinção do Ministério Cultura, seguido pelo seu rebaixamento à uma secretária dentro do Ministério da Cidadania, depois do Turismo pode dizer muita coisa ou não.
A verdade é que o brasileiro não enxerga o artista como um trabalhador. Neste rol, insiro as diversas categorias como músicos, atores, cineastas, artistas plásticos, dançarinos, escritores, etecetera. Podemos até recorrer a uma interpretação histórico-sociológica sobre a divisão capitalista do trabalho, reafirmar que se trata de um trabalho imaterial e subjetivo, cuja lógica difere da especificidade produtiva do tradicional mercado de trabalho. Em tempos neoliberais, os artistas vinham se desdobrando como empreendedores culturais sempre à procura de novos editais de fomento. Para sobreviver a pandemia, que interditou espetáculos ou shows, a produção artística e cultural brasileira não cessou completamente. O número de lives e de oficinas de dançasse proliferou nas redes sociais, são produções adaptadas ao ambiente virtual e que parecem que vieram para ficar. Há de se destacar, ainda, que “grandes” artistas continuam sendo patrocinados em muitas dessas lives. Tá ok?
Em meio a falta de uma política governamental de auxílio, muitos artistas engrossam o grupo de brasileiros que passam necessidades materiais, vivem de doações e organizam as “vaquinhas virtuais” ou o tal do crowfunding. Recentemente, uma lei foi aprovada com intuito de garantir uma renda emergencial para os trabalhadores da área de cultura, denominada de Lei Emergencial Cultural Aldir Blanc, em homenagem ao renomado compositor, escritor e médico psiquiatra Aldir Blanc falecido recentemente, autor de uma vasta obra musical e literária. Ao que parece, a lei encontra-se emperrada na arena política que envolve a forma pela qual será disponibilizada o auxílio. Um debate que se estende entre os estados de um lado, o governo federal, do outro.
Por outro lado, talvez seja o momento de outras considerações sobre o trabalho do artista. Uma delas é a autovalorização, quando este passar a não aceitar mais cachês irrisórios ou trabalhar até de graça. Aliás, tais críticas eu ouvi espantada de um amigo bem próximo que tentou bravamente viver de sua arte por aqui. Do meu lado, ainda não sucumbi ao trabalho como historiadora e, ultimamente, de escritora nas horas vagas. Por ora, encerro, afinal daqui a pouco começa uma nova live imperdível da cantora Teresa Cristina em uma das redes sociais. Vale lembrar que uma vida sem arte é uma vida triste e vazia, pelo menos para muitos brasileiros, como bem descreveu a cantora e compositora Zélia Duncan no poema “Vida em Branco”:
Você não precisa de artistas? Então fecha os olhos, mora no breu. Esquece o que a arte te deu, finge que não te deu nada. Nenhum som, nenhuma cor, nenhuma flor na sua blusa. Nem Van Gogh, nem Tom Jobim, nem Gonzaga, nem Diadorim. Você vai rimar com números. Vai dormir com raiva, e acordar sem sonhos, sem nada. E esse vazio no seu peito não tem refrão para dar jeito, não tem balé para bailar.
Luciene Carris é historiadora e escritora.